A meio caminho

Nunca fui fã de noitadas, nunca tive o hábito de fumar ou beber e das poucas vezes que provei um gin, passei tão mal que, enquanto me lembrar, dificilmente voltarei a repetir. Penso que a maior loucura que cometi na adolescência, foi ficar até de manhã na discoteca sem avisar a minha mãe – e ela ficou tão preocupada que me senti pessimamente durante muito, muito tempo. Não posso dizer que a idade me tenha mudado muito. Continuo profundamente disciplinada, a seguir com rigor as regras e os horários. Só que, hoje, aceito e respeito-me como sou.

Quando era mais nova, era sempre definida como a ” bem comportada “, aquela que dificilmente quebrava as regras. E se para alguns isso poderia ser uma virtude, eu via-o como um dos meus pontos fracos. Quando me criticavam por ser tão correta, muitas vezes em tom de gozo, sentia uma enorme vontade de ser mais rebelde. De mostrar que não era bem assim como diziam. Que podia ser bem comportada, mas que era também muito mais do que isso. Acima de tudo, não queria passar por ” tontinha “.

Lembro-me da tarde em que, na praia do Furadouro, os meus amigos decidiram desafiar-me a entrar nas ondas revoltas. A bandeira estava amarela e eu sabia bem o que isso significava.

” Não tens coragem de mergulhar nestas ondas! És uma medricas! ” As palavras atingiam-me como agulhas, a picar-me constantemente. De repente, levantei-me da areia, certa de que estava a cometer uma enorme estupidez, e caminhei com a maior confiança que era capaz de simular. A água geleva-me os ossos à medida que entrava mar adentro, onda após onda. Pensei que podia avançar só mais um pouco, só para os calar definitivamente. Foi então que, de repente, uma onda me puxou com mais força, para dentro. Percebi que estava a ser arrastada pela força da rebentação.

Conhecia aquela praia demasiado bem. Mergulhei tão fundo quanto possível e regressei à superfície para respirar, mas sabia que logo de imediato teria de voltar a mergulhar, para não ser arrastada pela força da corrente. Sentia a minha barriga a roçar na areia do fundo do mar e ainda assim continuava a ser sugada pela força da rebentação. Não tinha controlo da situação. O meu coração bombeava, desenfreado, com o esforço e o medo. Forcei-me a parar. Percebi que tinha de respeitar a força da natureza, em vez de lutar contra ela. Deixei-me levar e esperei pela onda certa, para sair para terra.

Ainda hoje recordo essa lição. Sempre preocupada em provar algo a alguém, para ser mais aceite, aprendi naquele dia que mais do que tentar provar aos meus amigos que era capaz, estava a provar a mim mesma que era capaz. Podia ver como as minhas inseguranças ainda toldavam a minha força.

‘ A meio caminho ‘ está disponível nas livrarias.

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Iva Lamarão

Iva Lamarão

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