O maior luxo dos nossos dias.
A possibilidade de sair sem tempo, embrenhar-me na natureza, como em criança, e desfrutar de cada detalhe que encontro pelo caminho. Dou por mim a fotografar as flores lavanda que não vira na floresta anteriormente. E as cores vivas dos chorões, verde, rosa, amarelo, que pintam a paisagem que tanto ansiava voltar a ver nos dias de isolamento solitário do meu apartamento em lisboa.
A natureza é ‘mutante’. Não vi aquelas flores ali anteriormente. Teria dado por elas. Nem as voltei a ver vigorosas nos dias seguintes da caminhada. Porque esta natureza selvagem não tem regra, floresce à ordem do vento, da chuva, do sol. E é curto o tempo para a apreciar. Mas os registos fotográficos que lhe tiram o cheiro, eternizam as cores e os momentos. Assim, poderei agora voltar a eles do isolamento do meu apartamento quando regressar a lisboa.
Este refúgio secreto palmilhado vezes sem conta pelo meu pai, longe da multidão, é revigorante. Voltar a sentir o sol no rosto e o vento no cabelo. Voltar a ouvir o som dos ramos das árvores quando as rajadas as fazem vibrar ao meu lado.
Não tenho rede. Nem forma de me conectar com o mundo, o que por instantes me faz esquecer que existe algo de mais importante do que a imagem da família a caminhar à minha volta e o foco no caminho da floresta até à praia.
Dois meses depois estou ali, de frente para o mar. Com o deserto de humanidade à minha volta. Esta é a imagem da minha infância. Desta vez, não trouxemos a cana de pesca que entretinha o meu pai por horas na esperança de pescar o robalo, que no final do dia de praia, sairia do forno dourado para a mesa do jantar.
A corrida da nossa cadela Heidi assim que a libertamos no areal vazio é a continuação da felicidade de voltarmos a estar ali, juntos. Mesmo que por instantes, com a certeza de que o mundo tão cedo não será o mesmo e que por tempo indefinido teremos de permanecer em distanciamento social, com todos os cuidados de um estado de calamidade pandémica.
Não dá para colorir e romancear a fase trágica que vivemos. Mas também não dá para deixar de registar o quão mágicos se tornaram estes momentos simples. De respeito pela natureza. De amor pela família e de uns pelos outros. E da importância de tudo isto no futuro da humanidade. No futuro do planeta.